SYLVIO PASSOS FALA DA SOCIEDADE ALTERNATIVA EM ENTREVISTA EXCLUSIVA PARA O BLOG DA SOCIEDADE ALTERNATIVA.

Primeiramente, obrigado por disponibilizar parte de seu apertadíssimo tempo para essa entrevista exclusiva para o Blog da Sociedade Alternativa. 

Viva a Sociedade Alternativa!!! 

Sylvio, você como amigo de longa data de Raul Seixas, já estava junto ao Raul quando surgiu a idéia da Sociedade Alternativa?

Resp: Não. Entrei pra trupe de Raul no início da década de 1980. A Sociedade Alternativa foi fundada em 1973, nessa época eu tinha só 10 aninhos de idade, mas já começando a desconfiar da verdade absoluta.

    Raul Seixas e Sylvio Passos nos anos 80.

A idéia da Sociedade Alternativa realmente foi proposta por Raul quando ele estudou os escritos de Aleister Crowley?
Resp: Raul sempre teve essa coisa de fundar sociedades, grupos... desde garoto. Mas foi quando conheceu Paulo Coelho que percebeu que era possível levar mais a sério a proposta que já vinha lhe incomodando desde o berço.

Raul tentou seguir religiosamente a Lei de Thelema de Crowley no seu dia-a-dia (Faz o que tu queres pois é tudo da lei)?
Resp: Acredito que Raul já seguia, se comportava assim desde sempre, não de maneira religiosa, mas de forma natural. O encontro com os textos de Crowley, entre outros, só lhe deram a certeza que ele estava no caminho certo.

Qual era a orientação religiosa de Raul (ateu)? E a sua?
Resp: Raul, assim como eu, temos, por questões puramente familiares, a orientação Católica Apostólica Romana, mais no fundo nunca foi a nossa essa coisa de religião. Éramos, sim, agnósticos. E o melhor de tudo que toda base agnóstica surge justamente por conta desse berço religioso.
 

O Raul fez parte do movimento chamado contracultura? Você concorda com a afirmação que esse era um movimento alienador?
Resp: Não me parece que Raul tenha feito parte de qualquer movimento senão o seu próprio. Raul era individualista, egoísta, no bom sentido. Anarquista por natureza. Não se engajaria em movimento algum. Como seu trabalho “solitário” estava sendo realizado num momento em que a contracultura ainda estava, digamos, sendo bem degustada, acabaram por inserir Raul dentro do contexto. Mas ele nunca se posicionou nesse sentido.
Não concordo que a contracultura fosse um movimento alienador. É justamente o contrário. Havia ali a idéia de abrir os olhos das pessoas para outras possibilidades que não a vigente, imposta, alienada. Daí que incluíram Raul como se fosse do movimento, por trabalhar na mesma trilha.

John Lennon também teve a idéia de criar uma Sociedade Alternativa. John cantava músicas como Nowhere Man, onde falava de pessoas sem opinião, alienadas, sem saber para onde estão indo, mas estende a mão pra elas perceberem que somos nós que comandamos o Mundo. Na música Imagine ele canta para as pessoas imaginarem que não existem países, nem religião, nem propriedades privadas, nenhum motivo para matar ou morrer, apenas pessoas dividindo o mundo e vivendo em paz. Raul Seixas disse em entrevistas na televisão que visitou John Lennon em Nova Iorque para discutir esses assuntos. Raul também disse que foi torturado durante a ditadura militar devido a idéia da Sociedade Alternativa. Esses eventos realmente aconteceram? Como?
Resp: Tanto a sociedade de Lennon, como a de Raul e Paulo, eram apenas um nome novo para algo velho. Esses movimentos sempre existiram desde que o homem resolveu se organizar em sociedades, ter controle de tudo, a história das civilizações corrobora isso. Essas sociedades alternativas do passado da humanidade nada diferem da de Lennon e nem da de Raul e Paulo; elas estavam dentro de seu tempo, dos contextos de sua época, e foram se aprimorando com o passar das gerações. É uma insatisfação contínua do indivíduo, que nunca irá acabar, mesmo que tenha outros nomes, a essência é a mesma em qualquer período.
Com relação as histórias que Raul contava sobre tortura e encontro com Lennon, eu não posso dizer que são ou não verdadeiras por um único motivo: eu não estava lá. Mas, para mim, essas histórias em nada mudam as propostas de Raul. Se aconteceram ou não, não tem importância. O que importa de fato é que são ótimas histórias e, talvez, Raul tenha usado apenas como pano de fundo para chamar a atenção para sua proposta ideológica, apenas uma ilustração. Entende?

Raul Seixas disse em uma entrevista que a Sociedade Alternativa era uma idéia realmente viável. Ele cantava uma sociedade alternativa onde cada indivíduo é uma estrela, onde cada um tem sua própria verdade e é livre para fazer somente aquilo que tiver vontade de fazer. Desta maneira, a Sociedade Alternativa está dentro de cada um de nós. O Raul realmente acreditava nessas idéias? Você concorda com essas idéias de Raul Seixas?
Resp: Sim. Raul acreditou piamente nisso até seu último suspiro. Talvez seu último suspiro, seu canto do cisne, tenha sido seu último protesto nesse sentido também, por que não? Eu não só acredito nisso, como vivo intensamente nas minhas 24 horas diárias. Paga-se um preço por isso, mas nada pode te trazer mais felicidade que essa certeza, essa convicção de que você está sendo você mesmo, sem máscaras manipuladoras. Muitas pessoas vivem assim sem nem saberem que existem outras pessoas buscando caminhos alternativos. Elas simplesmente são e ponto. Há que se desconstruir toda uma base, teoricamente segura, desmontar todo o quebra cabeças, o jogo em que se foi envolvido para chegar nesse “estágio” de consciência tão puro e simples, muito simples.

Porque Raul Seixas passou a divulgar a idéia da Sociedade Alternativa tão intensamente?
Resp: Simples: Raul acreditava que poderia salvar almas com sua proposta, e ele não estava de todo errado.

Quando escuta-se as músicas do Raul de 1968 no disco Raulzito e os Panteras e o Raul de 1971 no disco Sociedade da Grã-Ordem Kavernista Apresenta Sessão das Dez, observa-se uma óbvia diferença de postura, um rompimento das músicas do tipo iê-iê-iê, que só falam de amor, para músicas de conteúdo extremamente crítico, como Dr. Paxeco. Em seguida, em 1973, com o disco Krig-Ha, Bandolo! essa diferença se consolida e passa ser uma marca registrada em toda obra de Raul Seixas. O que aconteceu? Houve um momento que "caiu a ficha" na cabeça do Raul? Isso tem alguma coisa a ver com Aleister Crowley?
Resp: Não, não tem absolutamente nada a ver com Crowley. Esse é o caminho natural daqueles que buscam muito mais que namorar, casar, ter filhos, um bom emprego, netos, aposentadoria e depois ficar sentado num trono de um apartamento com a boca escancarada cheia de dentes (mesmo que implantados) esperando a morte chegar. O que fica evidente aí é que entre aquele garoto (que amava os Beatles, os Rolling Stones e Elvis) que aos 22 anos de idade entra num estúdio de uma grande gravadora (a multi inglesa EMI) para gravar seu primeiro álbum e o já consagrado artista aos 28 anos, é o inevitável amadurecimento, tanto no campo pessoal, intelectual como no profissional. Isso acontece com todo mundo, não?

Raul afirmava que era um ator que encenava que era músico e todo mundo acreditava. Cantou também que "Raul Seixas e Raulzito sempre foram o mesmo homem". No fim da vida, na música Banquete de Lixo, disse "Mas agora é Raul Seixas que Raul vai encarar". Você concorda com as afirmações de pessoas próximas ao Raul que dizem que ele era uma pessoa nos palcos (a representação de uma personagem) e no dia-a-dia era outra?
Resp: De certa forma sim. Dialeticamente falando, nós não somos os mesmos nunca, mudamos a cada segundo. A maravilhosa Metamorfose Ambulante é bem isso. É o próprio Raul. É cada um de nós. Raul tinha consciência de si, dos papéis que tinha que representar o tempo todo dentro da sociedade dita constituída. Todos nós temos que representar papéis o tempo todo. O diferencial é que Raul era ele mesmo o tempo todo, sempre preocupado em passar alguma coisa representando seus papéis. Persona, máscaras gregas, saca?
 

Houve um momento que o Raul dos palcos começou a mudar a vida do Raul do dia-a-dia? Ele "misturou a maluques com a lucidez" tentando implantar na prática as idéias que cantava nas musicas? Ele chegou a viver plenamente no dia-a-dia como o Raul dos palcos? Durante a sua longa convivência com Raul você presenciou cenas que exemplificam essas situações?
Resp: Se for para falarmos dos Rauls, temos que dividir entre o artista no estúdio e no palco e o indivíduo, o cidadão no dia-a-dia. E todos eram a mesma pessoa, com as mesmas idéias, as mesmas convicções, disparando suas verdades dentro das situações em que se encontrava em determinados momentos. Lucidamente louco o tempo todo. Nos quase 10 anos que convivi com Raul, pude notar – e admirar – isso nele. Mesmo que não concordasse com algumas coisas. Mas ele foi autêntico o tempo todo, mesmo quando não parecia ser. Uma figura maravilhosa.

Raul Seixas é um ídolo para muitos. Sylvio, na sua opinião, a vida de Raul Seixas é um exemplo a ser seguido ou evitado?

Resp: Nem seguido e nem evitado. Dentro de sua singularidade, sua originalidade é, no mínimo, pra ser respeitado. Não conheço nenhum ser humano que seja digno de ser seguido. Todos têm suas virtudes e defeitos. Ninguém é perfeito, nessa ótica. Se fosse, não estaria nesse mundo. Certa vez escrevi um poema [Roleta Russa Ao Luar] onde, logo no inicio, falo mais ou menos sobre isso. Sobre o comportamento humano.

E eis que olhei pro mundo 
e vi que tudo era maravilhosamente insano.


Tropeçando em Schopenhauer


Escorando-me em Nietzsche


Caindo sobre Jesus


Agarrado em LaVey

[http://sylviopassos.blogspot.com/2007/08/roleta-russa-ao-luar.html]

Raul escrevia músicas críticas, onde expunha de maneira acessível e bem humorada os problemas da sociedade, falando de temas existenciais, história, religião, política, etc., induzindo de maneira inteligente uma mudança de consciência nas pessoas. Através das musicas de Raul nós somos auxiliados a pensar de maneira critica diante dos fatos e consequentemente mudarmos nossas posturas comportamentais diante deles. Parece que o Raul queria o tempo todo mudar as pessoas e a si próprio, como ele afirma na música Carpinteiro do Universo. Qual foi a maior lição que você tirou para sua vida de toda a sua convivência com a pessoa e com a obra de Raul Seixas?
Resp: Certa vez, logo quando passei a acompanhar Raul mais assiduamente, logo ali no início da década de 1980, a mãe dele, Dona Maria Eugênia, me falou o seguinte: “Sylvio, Raulzito gosta demais de você e eu sei que você aprende muito com ele. Mas, mesmo você sendo um garoto ainda, nunca se esqueça que ele também aprende muito com você.” Ouvir isso da mãe dele foi mais significativo pra mim do que qualquer outra coisa que eu tenha absorvido de Raul. O que ficou muito claro para mim, tempos depois, é que minha amizade com Raul só se deu por uma coisa: Nós tínhamos muitas, mas muitas coisas em comum. Não sei se respondi exatamente o que você queria. Mas acredito que sim.

Como a Sociedade Alternativa é uma idéia, mais que uma coisa concreta, nós acreditamos que a Internet é o veículo ideal para concretizá-la. É nos bits da Internet que as idéias trafegam de um cérebro para o outro (nossos cérebros). A Internet sem as pessoas seria apenas um monte de cabos e satélites sem sentido derivando no espaço. Por isso nós criamos o portal da Sociedade Alternativa e demos para todas as pessoas a oportunidade de exercitarem a sua liberdade, de ser, de dizer e fazer o que quiserem em sua plenitude. Esse espaço é real e está no endereço eletrônico da Sociedade Alternativa. Aqui é tudo da lei! Ao exercitarmos a liberdade na Internet amadurecemos para um dia executarmos tudo o que queremos do outro lado da tela do computador.
Então, se você pudesse dizer o que quisesse (e aqui é tudo da lei), o que você diria?
Resp: Sempre que me fazem esse tipo de pergunta, que jogam essa batata quente nas mãos, fico sem saber exatamente o que dizer ou falo a primeira coisa que me vier a cabeça. Aqui, neste exato momento, o que me ocorre são pensamentos misturados como aquela máxima “Conhece-te a ti mesmo e tudo lhe será revelado”. Que nossos sonhos jamais devem ser abandonados e que nunca é tarde demais pra começar tudo de novo. Que o passado já passou. O presente está sendo. O futuro... ahhhhh o futuro é um terreno muito fértil e infinito de possibilidades. Então vamos ficar só no presente que é o futuro do passado. A vida dura um segundo. Ou você vive esse segundo ou sofre a vida toda. 

Fale dos seus projetos atuais e planos futuros.
Resp: Como falei anteriormente, o futuro é um terreno muito fértil de inúmeras possibilidades e incerto. Atualmente estou reformulando o Raul Rock Club e dando suporte ao filme sobre Raul que deverá chegar aos cinemas em outubro e também dando algum suporte ao jornalista Edmundo Leite que está, há quase 5 anos, escrevendo a biografia de Raul Seixas que, acredito, será a mais rica e detalhada já publicada. Há tempos que se esperava algo assim, com uma pesquisa profunda sobre a vida e obra de Raul, e Edmundo abraçou essa causa.

 

2009, Sylvio Passos com Edy Star na Virada Cultural.

Sylvio Passos recebendo cumprimento do Ministro da Cultura, Juca Ferreira (Fã de Raulzito [ele namorou Stella, irmã de Edith.] de olho em Flávia Vasconcelos, advogada de Simone [primeira filha de Raul], na entrega do Mérito Cultural 2009, Rio de Janeiro/RJ.

Raul Seixas recebe o Diploma da Ordem do Mérito Cultural 2009 pelas mãos de Sylvio Passos no dia 25 de Novembro de 2009 no Rio de Janeiro.

Muito obrigado pela entrevista.

Abraços,
Fábio