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sexta-feira, 23 de abril de 2010

CIDADES ALTERNATIVAS: UM SONHO REVIRADO PELAS CIDADES

Por Emília Saraiva Nery,

A discussão sobre a possibilidade de, através de um recurso ao protesto, cair fora da sociedade estabelecida nos anos 1970 está vinculada ao debate sobre a existência histórica de uma cidade alternativa. Raul Seixas e Paulo Coelho, idealizadores de uma Sociedade Alternativa, são os personagens e compositores que guiarão setores da juventude brasileira, daquele período, na vivência de novas cidades, estas configuradas no âmbito das cidades invisíveis e alternativas.
As comunidades alternativas e as cidades alternativas foram marcas de uma cultura do desbunde, emergida na cultura brasileira dos anos 1970. Mudar de vida, mudar a si e penetrar no sonho em que a cidade, para ocultar-se, dorme. Submergir no sonho como saída para os problemas. Criar cidades alternativas em busca de desejo, vida e realização. Logo, essas cidades, por mais fantasiosas que pareçam, são diferenciadas do discurso urbanista utópico.
As cidades reais são cidades baseadas num projeto utópico e urbanístico que opera em três frentes: 1) construção de um espaço organizado sem elevações físicas, deturpações da mentalidade urbanizadora e dos projetos político-administrativos; 2) fixação de um tempo imóvel com áureas de eterna modernização e 3) a criação de um habitante universal, comum e fruto das condições sociais e urbanas vigentes no território. Diferente das cidades reais, as cidades alternativas são territórios excluídos das cidades oficiais e que trabalham e jogam com a prática de micro espaços plurais e o desvio da ordem e do uso costumeiro do espaço urbanístico.
A cidade em sua gênese é fuga. Nesse espaço, o sujeito é um transeunte que se locomove a todo transe, sem forma estabelecida. Já o Estado possui uma postura desencontrada em relação ao transeunte. Ele se constitui como um agente de trânsito, que impõe a marcha por um trajeto definido em direção a um único destino.
Feitas essas considerações iniciais, nesta seção, pretende-se mostrar, a partir da produção lítero-musical e das experiências de Raul Seixas, os projetos e vivências das cidades alternativas dos anos 1970. Raul Seixas propôs cidades alternativas em letras de músicas, como: Cidade de Cabeça-Pra-Baixo e Cidade de Thor. Da mesma forma, tentou concretizar suas propostas com a fundação de uma outra cidade alternativa: A Cidade das Estrelas, no estado de Minas Gerais, em 1974.
Raul Seixas, em manuscritos datados ainda de 1973, já fazia planos do projeto de construção da Cidade das Estrelas e conclamava todas as pessoas, sem distinção, a se congregarem em torno da cidade alternativa em questão:
Estamos começando um grande empreendimento e nossas portas estão abertas para qualquer ser humano que deseje unir-se a nós, não importando a sua nacionalidade, religião, raça, bandeira ou cargo. Para isso foi comprado um terreno pela Sociedade Alternativa em Paraíba do Sul, onde construiremos A Cidade das estrelas, cuja lei será Faze o que tu queres...
É necessário perceber o local escolhido por Raul Seixas para a sua Cidade das Estrelas. Ele escolheu Minas Gerais, o interior, o campo. Num primeiro momento, buscava a natureza, a simplicidade, tidas a “princípio” como marcas do campo e, num segundo momento, pretendia levar essas experiências para as cidades. Cidades essas aparentemente carentes de qualidade de vida, boas condições ambientais e de filosofias de vida naturais e independentes. Sobre isso, Carlos Vieira diz:
O movimento de comunidades tomaria logo grande impulso e centenas de jovens partiriam para o campo, numa tentativa louca de fugir dos grandes centros fadados à deterioração rápida. [...] Num segundo estágio, pulularão os cursos de preparo para jovens de ‘todas as idades’, em todo o país, nas áreas de medicina, agricultura biológica (ou ecológica) – por ser mais abrangente, dietas alternativas e outras áreas afins, com o objetivo de preparar a saída deste contingente para a nova sociedade, cujas relações deverão ser bem diferentes das que se travam no palco das atuais cidades, com seus milhares de indivíduos massificados, empilhados e insatisfeitos.
O nome escolhido Cidade das Estrelas, assim como os outros nomes das cidades alternativas propostas pelo compositor, permite pensar um outro da cidade visível, a qual tende a ser apagada em práticas microbianas como aquelas das cidades alternativas, cujo caráter alternativo decorre, justamente, de sua prática subversiva em relação à panoptia da cidade formal. Essas nomeações são recursos combativos em relação a uma padronização apenas numérica dos lugares a serem habitados. São números mortos, sem história que organizam uma urbanidade estabelecida.6 As normas que regeriam a Cidade das Estrelas eram baseadas na “sociedade alternativa”. Críticos musicais reforçam essa sociedade enquanto um potencial espaço de liberdade que tinha dimensões circunscritas aos lugares das estrelas, ou seja, a liberdade era um direito natural e sem limites.
Com alma de farsante e fervilhante criatividade, Raul fazia músicas e planos a granel, teorizava com Paulo as bases de uma ‘Sociedade Alternativa’, uma radicalização hippie, mais politizada e mais libertária, que em plena e feroz ditadura tinha como lema ‘Faze o que tu queres, há de ser tudo da lei’.
A “planta” das cidades alternativas, projetadas pelo compositor em suas letras de música, era a representação de lugares criativos. Criatividade essa proveniente da arte, da música. Busca incessante de inverter os espaços e, por sua vez, criação de sensações misturadas, que podem ser reordenadas de várias formas. Eis a “fronteira” do seu território. Uma fronteira “demarcada” por um ritmo alucinante e transitório. O seu relógio não marca uma memória de um passado nostálgico. Nem tampouco seu roteiro segue um tempo futuro. Seu alicerce é uma mente que consegue superar condicionamentos discursivos e sociais, como a linearidade temporal.
Trata-se de uma cidade “imprevisível”, no tocante às vivências a serem emersas. Nessa cidade é permitido viver em todos os lados: em cima, em baixo. Por isso, Raul Seixas a nomeia de Cidade de cabeça-pra-baixo, descrita na letra de música De Cabeça-Pra-Baixo, Raul Seixas mostra essa cidade: “É na cidade de cabeça-pra- baixo/ A gente usa o teto como capacho/ Ninguém precisa morrer/ Prá conseguir o paraíso no alto/ O céu já está no asfalto”.
Nesses trechos, a cidade cantada saúda o movimento da inversão. Inversão de regras, o lugar de pisar ou andar não é o chão, mas o teto. A felicidade dos habitantes não é um sonho distante, “Ninguém precisa morrer prá conseguir o paraíso no alto/ O céu já está no asfalto”, mas um andar, caminho interrompido por uma topada de alguém que não pode flanar, vagar pela cidade. Esse movimento de seguir em frente e parar é sonoramente harmonizado com a letra através de batidas de passos que são interrompidas.
É importante perceber também que a Cidade de cabeça-pra-baixo parece ser um lugar, a princípio, supostamente inalcançável, “paraíso no alto.” Mas, em seguida, o compositor lembra que o inalcançável se torna realidade quando seus habitantes transformam as subjetividades em existências, nos ares que respiram,“O céu já está no asfalto”, Nessa perspectiva, a Cidade de cabeça-pra-baixo não é símbolo da fantasia, porém é “[...] a demonstração de que as cidades, fora do discurso utópico-urbanista, só existem em sua forma invisível, carregadas e constantemente recompostas aqui, nesta região escondida e funda, maquinaria desejante que chamamos subjetividade”.
Nesse sentido, a Cidade de cabeça-pra-baixo se mostra como um refúgio e evidência do abandono de um discurso idealizador e planificado sobre a cidade real. “Vou me mudar pra cidade/ Pra cidade de cabeça-pra-baixo.” Quais são os atrativos da “Cidade de cabeça-pra-baixo” na letra em análise? “Dinheiro é fruta que apodrece no cacho/ Ninguém precisa correr/ Nem tem idéia do que é calendário/ Nem tem problema de horário/ ... / Ninguém precisa fazer/ Nenhuma coisa que não tenha vontade”.
Nesses trechos da letra de música, os atrativos da Cidade de cabeça-pra-baixo estão relacionados com a saturação de uma rotina urbana, que captura nossos desejos em torno da vida industrial e burguesa. Uma vida marcada pela busca do dinheiro, pela rigidez do cumprimento de horário no trabalho, a “escravização” do livro de assinatura do ponto, e de normas pré-estabelecidas. Em resumo, a ótica é: não se pode sair do cotidiano, fazer outras atividades, pois perda de tempo é perda de dinheiro.
A cidade de cabeça-pra-baixo descrita por Raul Seixas é um espaço subterrâneo, mas com capacidade de, giro após giro, emergir no solo. Os seus horizontes são alargados: “É tão bonito ver o sorriso do povo/ Que habita o lugar/ Olhar pra cima e ver a espuma das ondas se quebrando no ar.” O mar localizado na Terra, passa a ocupar o espaço do ar, do céu. E os solos estabelecidos são desprezados, pois o chão não é lugar de andar, “O chão é lugar de cuspir”.
Até agora, foi realizada uma cartografia das cidades alternativas de Raul Seixas. Conheceu-se a “Cidade das Estrelas” e se passou pela Cidade de Cabeça-pra- baixo. Por fim, é o momento de entrar em mais uma de suas cidades emblemáticas: A Cidade de Thor. 
Na letra de música As Aventuras de Raul Seixas na Cidade de Thor,11 o compositor problematiza questões ecológicas e tecnológicas.
Buliram muito com o planeta/ E o planeta como um cachorro eu vejo/ Se ele já não agüenta mais as pulgas/ Se livra delas num sacolejo/ ... / A civilização se tornou tão complicada/ Que ficou tão frágil como um computador/ Que se uma criança descobrir/ O calcanhar de Aquiles/ Com um só palito pára o motor.
A paisagem dessas cidades se mostra artificial, clivada da natureza. O homem canalizou os recursos naturais ao ponto de esgotá-los nas suas invenções tecnológicas. Mas o meio ambiente, a princípio dominado pelo homem, força uma melhor utilização das fontes energéticas naturais: água, carvão e petróleo. Caso contrário, o ser humano corre o risco de ser exterminado do planeta num “estalar de dedos” ou apertar de botões em tempos do “processo da Guerra Fria adquiria contornos dramáticos, com um período de uma guerra nuclear capaz de extinguir toda a vida do planeta”.
É possível observar esse debate ecológico ainda na imprensa da época.
Mais realista, a sociedade dos anos 70 parou para pensar os benefícios proporcionados pela ciência e pela tecnologia. [...] A década de 70 viu a poluição ganhando terreno sobre cidades, rios e mares. [...] Pela primeira vez, houve a possibilidade de uma tragédia nuclear em tempos de paz, no reator de Three Mile Island, nos Estados Unidos. [...] Descobria-se, afinal que a ciência tem os seus limites e às vezes produz alguns maus efeitos colaterais.
Uma geração marcada pela política não apenas de se livrar do imperialismo econômico como também de se libertar das ameaças de catástrofes ecológicas e das neuroses, que provocam o desejo de se afastar do mundo em que vive, tipificado como urbano e inabitável. As neuroses poderiam ser curadas com mudanças para um estágio de aplicação às coisas divinas e dedicação a uma vida pastoril. Nesse sentido, essa visão ecológica de sociedade futuramente revolucionária pode ser interpretada como um possível retorno ou guia a um anterior estágio naturalista social de liberdade, ausência de legislações sociais, harmonia, bondade e paraíso perdido.

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