Um Olhar

Ali pelo fim do dia, início do anoitecer, gostava deste perigoso momento em que as entidades estão na retaguarda.

Ali pelas 18h, momento de angústia e de excitação. Após o suco de clorofila e do colírio de groselha, dirigia-se a um dos seus escritórios/botecos.

Ali, bebia, comia, lia, escutava música, conferia extratos, fazia seu orçamento.

Mas acontece que a clorofila às vezes lhe punha conversador:

- E aí? Fora aqui, o que mais você faz da vida?

Como se àquela não fosse a vida da pobre, mas o pior é que não era:

- Eu tenho um filho, sou separada, aos 27 anos o cara se encheu o saco de cuidar de criança e mulher, se mandou...

Hum...nada mal, aquela garçonete que se fosse uma jaguatirica com avental, eu nem teria notado, ela tinha sua vida, suas verdades absolutas:

- 3 anos! Esse é o tempo que leva para superar uma separação dessas!

Aí me pergunto - Caralho! Se não tivesse perguntado o famoso - "Que faz da vida?" - jamais saberia nada dessa moçoila, que continuou desfilando o seu rosário:

- Passados esses 3 anos, me matriculei em uma faculdade de Administração em Mogi, depois arrumei esse emprego aqui, que só largo às 22h. Aí chego em casa, e agora tenho aulas virtuais até as 24h, e depois, às 5 da manhã, levanto de novo...

Meu Deus! Aquela mulher era um monte de coisas que ele nem imaginava, mas aquele simples e viajante "faz da vida" , descortinou a vida dela inteira..e como era linda e sofrida aquela vida.

Meio que comovido, ele disse:

- Pôxa! Que luta a sua. Meus parabéns!

Ela sorriu meio encabulada, acho que nem notou que havia se exposto mais do que devia e sorriu...

Ah! Uma mulher sorrindo, como fica lindo o mundo, como fica linda a vida, ou como é lida a vinda.

Reinaldo Pinheiro Pinho