Participe da Sociedade Alterativa

A Sociedade Alternativa é aqui! O Novo Aeon chegou, aqui e agora, poste o que tu queres, pois nesse blog é tudo da lei! Para ser incluído como autor na Sociedade Alternativa mande um email para insanoloco@gmail.com. Viva! Viva! Viva a Sociedade Alternativ@!!!

sábado, 19 de fevereiro de 2011

Raul Seixas, um pensador: a filosofia oculta do maluco beleza

Você deve conhecer o lado A do cantor e compositor Raul Seixas. O estereótipo criado em torno da figura do baiano gira em torno de chavões como maluco beleza, doidão, anarquista, drogado e afins. Reconhecido como um dos pioneiros da contracultura no Brasil, ele integrou a turma do desbunde, aquela galera que escutava rock, lia os poetas beat, fazia filmes em Super-8, não cortava os cabelos e preferia fumar maconha a pegar em armas. Contra a violência da ditadura militar, curtição e ações pacíficas.


É certo dizer que o estereótipo maior do “maluco belezaque rotula a vida e a obra de Raulzito tem um fundo de verdade. Todavia, os chavões servem para ofuscar certas facetas sensacionais de um artista que se autodeclarou “metamorfose ambulante”. Multifacetado, o artista agiu e pensou livremente, criando e auto-afirmando seus próprios valores, sem jamais se fixar em alguma certeza absoluta. Raul Seixas viveu como um indivíduo descentrado, inconstante, efêmero e transitório, com suas rupturas e descontinuidades. A arte de Raul Seixas, nascida de experiências que brotam da concreta vida cotidiana, é impregnada de ressonância e profundidade místicas que a impelem para além de seu tempo e lugar.




O enaltecimento da metamorfose ambulante, isto é, do indivíduo fragmentado, descentrado, disposto a afirmar sua singularidade contra o rigor de todas as opressões, nos leva ao lado B de Raul Seixas. Em sua discografia, os irracionalismos, as antíteses e os antagonismos extremados ocupam o centro da cena. Ele mistura, em sua obra, diferentes ritmos e estilos musicais, poesia e música, filosofia e astrologia, ocultismo e religião, crítica social e desbunde, tudo regado ao uso de drogas lícitas e ilícitas.

A linguagem de Raul Seixas, imbuída de desbunde, do espírito rebelde, lúdico e libertino dos inconformados de seu tempo, que preferiram a expressão à construção, é formada por um vocabulário polissêmico, simbólico, repleto de figuras de linguagem, metáforas, alegorias, metonímias, regionalismos nordestinos, gírias urbanas e prosopopéias. Inseridas na indústria cultural, suas canções transmitem pensamentos sob forma figurada, disfarçada, muitas vezes ambígua, exigindo que o ouvinte interprete as idéias embutidas figurativamente em seus versos. Com essas características, suas músicas muitas vezes são recusadas por intelectuais e ativistas engajados, enquanto nem sempre são compreensíveis para as massas incultas. E alguns não conhecem o perfil intelectual de Raul Seixas, que foi um homem erudito, leitor voraz dos clássicos da filosofia e da literatura universal.



O escritor e filósofo Raul Seixas eliminou as fronteiras entre as culturas popular, erudita e de massa. Em sua obra encontramos referências implícitas ou explícitas a diversos autores brasileiros ou estrangeiros: Elvis Presley, Bo Diddley, Beatles, Bob Dylan, Jerry Lee Lewis, Luiz Gonzaga, Friedrich Netzsche, Pierre-Joseph Proudhon, Aleister Crowley, dentre muitos outros. Este último, atualmente pouco conhecido pelo grande público, foi um mago, poeta e escritor inglês que despertou muito interesse entre artistas nos anos 1960 e 1970, tornando-se guru da contracultura e do rock.

Exemplar é a capa do álbum Sgt. Pepper´s Lonely Hearts Club Band (BEATLES, 1967), criação do artista Peter Blake, que reúne imagens de 62 pessoas a quem os Beatles admiravam. Podemos ver o rosto de Aleister Crowley (segundo, da esquerda para direita) na linha de cima, entre o guru hindu Swami Sri Yukteswar Giri e a atriz americana Mae West.


Outros astros do rock compatriotas do mago também prestaram suas homenagens: Jimmy Page, guitarrista do Led Zepellin, teria comprado a Boleskine House, refúgio de Crowley na Escócia, às margens do lago Ness, enquanto o metaleiro Ozzy Osbourne compôs a música “Mr. Crowley” em sua homenagem.


No Brasil, o mais ilustre seguidor do ocultista inglês foi Raul Seixas. Embora o cantor nunca tenha comentado publicamente com clareza e detalhes suas experiências em sociedades iniciáticas, as canções explicitam que ele lançou sua Sociedade Alternativa a partir dos ensinamentos de Crowley. Uma das referências mais claras ao mago, na discografia de Raul, é a canção “A Lei”, do LP A Pedra do Gênesis (SEIXAS, 1988), tradução do texto Líber Oz, de Crowley, que anuncia a Lei de Thelema.

Thelema é uma palavra grega que significa vontade. Para os thelemitas (seguidores da Lei de Thelema, dentre os quais podemos incluir Raulzito), a sua máxima, longe de ser apenas um bordão, consiste na fórmula mágica do Novo Aeon, a nova era que os jovens tentavam materializar em comunidades alternativas e pela qual tanto ansiavam.

Cada Aeon (grande período espiritual) é caracterizado por uma fórmula mágica que consistiria no enunciado de como os fatos e as teorias cosmológicas são percebidos, podendo tomar a forma de axiomas ou conjuntos de símbolos que aumentariam a capacidade dos indivíduos de perceberem a si mesmos e ao universo.


Na década de 1970, a formação de grupos e ordens iniciáticas, esotéricas, era uma forma comum de reunir pessoas com idéias transgressoras. Nesse contexto, Raul Seixas se apropriou da idéia do Novo Aeon apresentada por Aleister Crowley para formular o seu próprio projeto de uma Sociedade Alternativa.

Raul Seixas, coerente com a fórmula do Novo Aeon, foi um poeta da liberdade irrestrita e da vontade como máxima soberana, além de defensor do uso de sexo e drogas para fins mágicos. Foi partidário de um individualismo extremista, apregoando a autonomia individual na busca da liberdade e na satisfação das inclinações naturais, em detrimento da hegemonia da coletividade massificada e despersonalizada. Sua arte condena todas as formas de poder e autoridade que restrinjam a soberania e a liberdade absolutas do indivíduo.


A Lei de Thelema emerge da crença na inutilidade das lutas no campo político-institucional, pois redundariam sempre em alguma forma de opressão ao indivíduo. A transformação social viável para resolver os problemas do homem dentro da sociedade poderia ser alcançada na medida em que cada um pensasse e agisse por si próprio, emergindo das massas, suprimindo todas as formas de autoridade estabelecidas, tendo em vista a realização dos desejos individuais.

Atento às tensões políticas e socioculturais de seu tempo, um esperançoso compositor oferecia ao público a promessa de superação do sofrimento imposto pela sociedade autoritária. Mas uma proposta política concreta estava ausente, visto que sua utopia individualista se sobrepõe a tudo, mesmo que ironicamente.
Quer a Sociedade Alternativa venha ou não a se realizar, a obra de Raul Seixas permanece importante por sua força imaginativa, utópica, por sua expressão e percepção das (im)possibilidades que permeiam a vida contemporânea. Esse é o seu legado para as gerações que se seguem, conforme o próprio compositor afirmou na canção-testamento “Geração da Luz”.





Para saber mais sobre a filosofia de Raul Seixas, conhecendo os problemas políticos, existenciais e socioculturais que marcaram seu tempo, num questionamento das conexões entre produção cultural e vida social, detectando, ampliando e registrando alguns problemas do nosso país, leia o meu livro Novo Aeon: Raul Seixas no torvelinho de seu tempo, recentemente publicado pela Editora Multifoco, do Rio de Janeiro.

Resultado da minha pesquisa de mestrado em Estudos Literários, desenvolvida no Programa de Pós-Graduação em Letras da UFES, a obra aborda a concepção de Novo Aeon apresentada por Raul Seixas em suas músicas. Reunindo letras, entrevistas e outros textos avulsos do artista, o livro ajuda a compreender a música de Raulzito à luz da multiplicidade de problemas que formam a experiência cultural brasileira. Através de minha interpretação e o entrelaçamento de discussões com teóricos fundamentais para a compreensão do tema, apresento uma análise das questões que animaram as décadas de 1970 e 80: autoritarismo, censura, desbunde, contracultura, ocultismo, indústria cultural, melancolia e niilismo.

Leia

Vitor Cei Santos
Novo Aeon: Raul Seixas no torvelinho de seu tempo
Editora Multifoco
224 páginas
Preço: R$ 30, em média 
Adquira já na Estante Virtual ou na Editora Multifoco.






Um comentário:

  1. MEU DEUS! Cara você é 1000 terminei de ler mais já achei meu trabalho, super objetivo mas detalhadamente sútil! Ta de PARABÉNS!!!

    ResponderExcluir